Uma nova exigência instituída pela Lei Estadual nº 11.631 de 2009 na Bahia impõe que hotéis, motéis, pousadas e similares paguem uma taxa pelo “exercício do poder de polícia.” Em comunicado recente, a Polícia Civil orientou que, a partir de novembro de 2024, esses estabelecimentos deverão realizar um cadastro e efetuar o pagamento da referida taxa. Contudo, especialistas questionam a constitucionalidade da medida, uma vez que a Constituição Federal estabelece que a segurança pública é uma obrigação do Estado, financiada por impostos gerais.
A Inconstitucionalidade da Taxa: Atribuição do Estado e o Princípio da Universalidade da Segurança
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 144, é explícita ao definir a segurança pública como um dever exclusivo do Estado e um direito universal dos cidadãos. Essa definição significa que cabe ao Estado financiar e organizar os serviços de segurança pública, como a fiscalização de estabelecimentos, sem transferir esse custo para setores específicos. A taxa imposta pela Bahia sobre o setor de hospedagem contraria diretamente essa lógica, ao cobrar de empresas privadas por um serviço que, constitucionalmente, deve ser oferecido sem custos diretos para o cidadão ou setores da economia.
O Código Tributário Nacional (CTN) reforça essa perspectiva ao determinar, no artigo 3º, que tributos não podem ter caráter punitivo e que as taxas devem ser proporcionais ao custo do serviço prestado. Isso significa que, ao exigir uma taxa de valor potencialmente elevado para atividades de fiscalização de segurança, o Estado da Bahia estaria desvirtuando a função de taxa, tratando-a como um instrumento arrecadatório.
Um jurista, que preferiu não se identificar, descreveu a situação: “Esse é um tema tributário. Eles colocam a taxa do poder de polícia no mesmo patamar que outras taxas, como a de bombeiros e vigilância sanitária, mas essa taxa se transforma em uma obrigação tributária. Você imagina o impacto caso haja um desdobramento judicial, o que complicaria ainda mais a situação.”
O Supremo Tribunal Federal e a Jurisprudência sobre Taxas de Poder de Polícia
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem um histórico de decisões que sustentam a inconstitucionalidade de taxas com caráter arrecadatório, especialmente quando desvinculadas do custo direto da atividade que justificaria a cobrança. No julgamento da ADI 6.211/AP, o STF considerou inconstitucional a taxa sobre a exploração de recursos hídricos no Amapá, pois a arrecadação superava amplamente o custo real do serviço estatal. O relator, ministro Marco Aurélio, afirmou que a taxa, ao contrário do imposto, deve ter uma relação direta entre o valor cobrado e o custo efetivo do serviço ou atividade de fiscalização.
No julgamento, o STF concluiu que, ao ultrapassar em mais de dez vezes o custo anual da secretaria responsável pela fiscalização, a cobrança era desproporcional, configurando uma medida meramente arrecadatória. A decisão do STF estabelece um parâmetro claro: para que uma taxa seja constitucional, ela deve estar intrinsecamente ligada ao custo específico da atividade estatal.
A Contradição na Jurisprudência Recente do STF
Apesar de decisões que limitam o caráter arrecadatório das taxas de poder de polícia, o STF recentemente adotou uma postura mais flexível em julgamentos como as ADIn 4.785, 4.786 e 4.787, relacionadas a incidentes ambientais. Nesses casos, o STF admitiu a possibilidade de que as taxas superem o custo direto do serviço, justificando a medida como resposta a situações excepcionais. Essa mudança gerou incertezas entre aplicadores do direito, criando uma zona cinzenta sobre a aplicação desse tipo de taxa.
Em um artigo no site Migalhas, publicado em 22 de agosto de 2022, o jurista Leonardo Martins argumenta que “os tributos não podem servir de instrumento para penalizar aqueles que infringem as leis,” lembrando que o artigo 3º do CTN impede que taxas tenham finalidade punitiva. A decisão do STF na ADI 6.211/AP reforça que, ao contrário dos impostos, as taxas de poder de polícia devem ser proporcionais ao custo do serviço prestado, evitando desvios de finalidade arrecadatória. (migalhas.com.br)
Impacto Econômico e Ações Coletivas para Questionamento da Taxa
A imposição dessa taxa para o setor de hospedagem na Bahia representa uma carga adicional para empresas que já enfrentam pressões econômicas. O setor de turismo, especialmente as pequenas pousadas e hotéis independentes, pode ser profundamente afetado por essa cobrança, que, segundo especialistas, descaracteriza a taxa de poder de polícia, transformando-a em um imposto disfarçado.
Diante dessa situação, é recomendável que associações representativas do setor, como sindicatos e federações de turismo, articulem ações coletivas para questionar a constitucionalidade da taxa. Essas entidades podem também solicitar ao Ministério Público Estadual a abertura de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI), buscando invalidar a lei com base na violação do princípio de universalidade da segurança pública.
Conclusão: A Inconstitucionalidade da Lei da Bahia e a Necessidade de Limites Claros
A Lei nº 11.631/2009 da Bahia, ao impor uma taxa de poder de polícia, viola princípios constitucionais fundamentais ao transferir o custo de uma obrigação estatal para um setor privado. Ao ignorar a proporcionalidade entre custo e benefício, a cobrança ultrapassa sua função legal, revelando-se inconstitucional e arrecadatória.
Para garantir a segurança jurídica e evitar precedentes nocivos, o setor de hospedagem da Bahia precisa se mobilizar judicialmente. Apenas uma contestação efetiva pode corrigir essa distorção, reforçando o entendimento de que a segurança pública é, e deve continuar sendo, uma responsabilidade exclusiva do Estado, financiada por impostos gerais.
Por: Vinícius Brandão, Presidente da CDL de Porto Seguro e empresário do ramo hoteleiro
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