O ex-jogador Daniel Alves foi sentenciado a 4 anos e meio de prisão por estuprar uma mulher de 23 anos em uma boate na Espanha, em dezembro de 2022. O tribunal de Barcelona concluiu que a vítima não consentiu com a relação sexual, resultando na condenação do atleta. Além disso, descartou a alegação de que o crime foi cometido sob efeito de embriaguez e considerou que há provas que atestam o abuso. A defesa de Alves fez um depósito de 150 mil euros para reparação de danos, metade do que foi solicitado pelo Ministério Público espanhol. Ele não nega a relação sexual, mas alega que houve consentimento. Tanto Daniel como a promotoria, que pedia nove anos de cadeia, podem recorrer.
Ainda que caiba recurso, a pena imposta e o fato de um jogador de fama global e multimilionário já estar preso há mais de um ano são um lembrete de que não há conta bancária ou bloco de autógrafos que esteja acima da Lei.
Vigora um regulamento implícito no universo narcisista dos jogadores de futebol. Boa parte deles realmente acha que todas as mulheres estão prontas a se atirar aos seus pés e ceder aos seus caprichos e desejos carnais. Isso vale tanto para o perna de pau mais chinfrim da quinta divisão da Sibéria como para o craque planetário da Champions League.
No português chulo e direto: uma grande parte dos jogadores de futebol acha que toda mulher quer dar para eles, pouco importa o consentimento. Não existe não.
Nesse caso, a decisão da Justiça espanhola é exemplar. Tira o jogo da realidade paralela das quatro linhas, uma imitação da vida com regras próprias — ou falta delas —, e traz de volta para o mundo real.
Causa estranheza uma particularidade das leis espanholas: o pagamento de indenização financeira à vítima como atenuante da pena. Como se o dinheiro pudesse reduzir a dor e a humilhação impostas e escancaradas ao mundo pelos autos do processo.
Esse modus operandi do boleiro hedonista foi duramente atingido pela corte de Barcelona. Terra do time que é a seleção nacional da Catalunha e pelo qual o jogador conquistou vários títulos e gerou idolatria.
Mesmo que o recurso de Daniel Alves seja coroado de êxito, o cartão apresentado para o comportamento é vermelho berrante
É importante lembrar que existem, sim, muitos e muitas golpistas que gravitam em torno de jogadores de futebol e celebridades do cinema e da música. Muitos caem nesses golpes, inclusive em armações de alcova.
Porém, reside no inconsciente de pessoas que se entendem extremamente poderosas uma certeza de impunidade ou, então, a certeza de que todo ser humano tem seu preço. Um corpo não é uma mesa de restaurante, um quarto de hotel, um carro de luxo ou um avião particular. Consentimento não se compra com camisa autografada ou convite para camarote. Bebidas alcoólicas não são muletas de advogados.
Que o recado seja lido com sabedoria pelos tribunais do Brasil e do mundo como um novo paradigma para esse tipo de comportamento, não importa a cor da camisa ou o currículo do acusado.
A excelente série de streaming “The Boys” faz uma ótima caricatura crítica do comportamento de super-heróis que se consideram semideuses e do estrago que provocam na sociedade e nas vidas daqueles que os idolatram.
Macunaíma, o herói sem caráter, terminou seus dias como molho de polenta.
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